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26 février 2012 7 26 /02 /février /2012 18:19

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Na raiz das teses nucleares de Popper está uma nova concepção do conhecimento e da ciência. Tradicionalmente, considerava-se que o trabalho da ciência consistia sobretudo na programação e realização de experiências que permitiam efectuar observações rigorosas, observações que se vão registando até que se consiga formular uma hipótese explicativa, eventualmente uma lei, do fenómeno em estudo. A partir daqui, e uma vez aceite a plausibilidade daquela hipótese, o trabalho científico orienta-se para a sua verificação, isto é, para a tentativa da sua aplicação a casos novos mas similares. O procedimento cognitivo que está no cerne deste processo é a indução, que conduz a passagem de um certo número de observações particulares para enunciados universais.

Este processo rodeia ou oculta várias dificuldades. Uma delas ¾ de resto a dificuldade central ¾ havia sido já formulada por David Hume[1]  quando observou que a passagem das observações particulares para um enunciado universal não pode ser racionalmente justificada apenas pelo seu número. Fazemos previsões baseadas na nossa experiência anterior porque possuímos uma disposição, um hábito, para o fazer, não porque seja possível garantir a sua validade racional.

Popper reformulará inteiramente os dados do problema: dirá que a ciência não é indutiva. Substitui o procedimento indutivo pelo de conjecturação e a exigência de verificabilidade pela de falsificabilidade; as conjecturas devem levar à ousada formulação de hipóteses sem preocupação com qualquer tipo de exaustividade observacional; e a falsificabilidade inverte a anterior ordenação metodológica porque agora trata-se de ver se a observação falsifica, ou não (neste caso dir-se-á que corrobora), a hipótese formulada.

Assim, e recorrendo a um exemplo corrente, ao afirmar que "todos os cisnes são brancos" estou a afirmar também que a observação de um só cisne negro basta para afirmar que "nem todos os cisnes são brancos", portanto para refutar aquele enunciado universal. Dito de outro modo, as generalizações empíricas não são, não têm de ser, verificáveis, mas falsificáveis. É, pois, na assimetria verificabilidade/falsificabilidade que se encontra a chave da solução popperiana. A preocupação com a verificação é substituída pela da possibilidade da sua refutação; e esta será tanto maior quanto maior for o conteúdo do que se afirma. Se eu disser que "todos os planetas têm orbitas elípticas" estou a produzir um enunciado com um determinado conteúdo; mas se afirmar que "todos os corpos celestes têm órbitas elípticas" estou a produzir um enunciado com mais informação e conteúdo que, portanto, se expõe mais à falsificabilidade. Em termos simples: quanto mais uma hipótese diz sobre o mundo, maiores são as possibilidades de errar.

 

 

" Segundo uma perspectiva largamente difundida, as ciências empíricas podem caracterizar-se pelo facto de utilizarem ‘métodos’ ditos ‘indutivos’. (...) É corrente designar por ‘indutiva’ uma inferência se ela passa de enunciados singulares/particulares, tais como os resultados de observações, a enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias.

Está longe de ser evidente que, de um ponto de vista lógico, haja justificação para inferir enunciados universais a partir de casos particulares, por mais numerosos que estes sejam; qualquer conclusão obtida por este processo pode sempre, com efeito, revelar-se falsa: pouco importa o grande número de cisnes brancos que possamos ter observado, pois ele não justifica que todos os cisnes sejam brancos."

K. Popper

 

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[1]  David Hume (1711-1776), filósofo escocês, mostrou que, sendo a experiência sensorial a origem dos dados do conhecimento, e sendo essa experiência, sempre, apenas válida para cada caso particular, não há legitimidade na indução. Assim, nada justifica a esperança de uma causa produzir no futuro um determinado efeito, só por isso ter sucedido antes. Questionando o princípio da causalidade, Hume declara impossível o conhecimento universal e necessário da ciência. Afirma que só por hábito e crença (factores psicológicos) admitimos a validade do conhecimento científico.

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